Metodologia
(26 de Março de 2020)
Esta ferramenta utiliza o modelo epidemiológico SEIR para estimar a demanda por leitos hospitalares e ventiladores nos municípios brasileiros. Trabalhamos com 3 estratégias distintas, baseados na resposta do governo e da sociedade em relação a medidas de restrição de contato. Cada estratégia está associada a uma taxa de infecção distinta da Covid-19 (quantas novas pessoas serão infectadas por uma pessoa que já está doente, ao longo da evolução de seu quadro) As taxas foram estimadas por estudos em diferentes momentos. Assim, ao indicar quando cada uma entrará em vigor no município selecionado, é possível simular a evolução da doença associada à sequência de estratégias indicada.
O objetivo do simulador é chamar atenção para o potencial impacto de políticas públicas desenhadas para responder à crise e contribuir com a elaboração de cenários para os processos decisórios locais diante da iminente expansão da Covid-19 no Brasil. Ressaltamos, porém, que cada cidade possui dinâmicas de circulação e contato social próprias, além de particularidades demográficas e disponibilidade de equipamentos de saúde. Por isso, preferimos trabalhar com margens de erro e calcular janelas temporais.
Pelo pouco tempo de circulação, ainda não há números de referência estabelecidos sobre a transmissão do vírus SARS COV-2, o “Coronavírus.” A partir de dados brasileiros de referência de transmissão, pretendemos elaborar nova versão da ferramenta. A análise também não considera o desenvolvimento de medidas de mitigação como vacinas e medicamentos anti-virais.
Fonte de Dados
Dado | Fonte | Data de Coleta |
Projeção de população | IBGE | 20 de março de 2020 |
Leitos por município | DATASUS CNES | 20 de março de 2020 |
Ventiladores por município | DATASUS CNES | 20 de março de 2020 |
Casos e mortes confirmados por município | Brasil.io | Diariamente |
A quantidade de leitos por municípios soma tanto leitos hospitalares da rede do Sistema Único de Saúde quanto da rede não-SUS. Avaliamos que ambas estariam envolvidas no esforço de resposta à crise. Para usar por base apenas a rede SUS, seria necessário filtrar a população SUS-dependente de cada município.
O número de leitos inclui leitos hospitalares, cirúrgicos, pediátricos e obstétricos. Retiramos os de tratamento intensivo, já que nossa medida de possibilidade de adaptação para essa modalidade são os equipamentos. Pretendemos disponibilizar a possibilidade de ajuste dessa alocação de leitos por tipo em próxima versão, porém sugerimos que gestores ajustem esse parâmetro na simulação com a função de porcentagem.
Consideramos, na simulação inicial, que apenas 20% dos leitos registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos Hospitalares estariam disponíveis para alocação de pacientes da Covid-19 que necessitem de internação. Esse número cai dentro do parâmetro recomendado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de manutenção da taxa de ocupação de hospitalar entre 75 e 85%, ainda que saibamos que há grande variação nesse percentual nas realidades locais de cada município (ANS, 2012). Novamente, sugerimos que gestores ajustem esse parâmetro na simulação com a função de percentagem.
Para municípios que não tem casos confirmados em boletins oficiais, conforme reportado no Brasil.io, simulamos os números a partir do primeiro caso. Isso quer dizer que, ao selecionar unidades de análise mais altas, portanto, como as regionais de saúde ou os estados, você está simulando um cenário onde todos os municípios têm ao menos um caso confirmado. Os números de casos confirmados são atualizados diariamente, depois da atualização no Brasil.io.
O modelo SEIR e os parâmetros utilizados
Utilizamos o modelo epidemiológico SEIR (Suscetíveis, Expostos, Infectados e Removidos) para calcular a disseminação e evolução clínica do COVID-19. De acordo com esse modelo, uma população é dividida em grupos mutuamente excludentes de indivíduos:
- Suscetíveis: aqueles que não têm imunidade à doença (no caso do COVID-19, por ser uma doença nova, é toda a população);
- Expostos: aqueles que entram em contato com a doença e desenvolvem ou não sintomas.
- Infectados: são aqueles que desenvolvem sintomas. Dependendo da doença, podemos separar essas pessoas em diferentes estágios, a depender da gravidade de seu quadro.
- Removidos: aqueles que, após o curso da doença, se recuperam e desenvolvem imunidade ou vem a falecer da doença, sendo removidos do modelo.
A porcentagem de pessoas e a velocidade com que passam de um estágio para outro são explicadas por uma série de parâmetros, que buscamos na literatura nascente sobre a COVID-19.
Premissas temporais
Seguindo Walker, Whittaker, Watson et al. (2020), em versão simplificada, assumimos que:
- Pessoas infectadas uma vez passam a ser imunes;
- Pessoas infectadas ficam 15 dias doentes;
- Pessoas infectadas levam 5 dias para ficarem doentes (período de incubação).
Subnotificação de casos
Ainda não temos relatórios sobre a subnotificação de casos de Covid-19 no Brasil. Estudos consultados variam ao abordar a questão: Wang et al. consideram subnotificação de 50% (2020), enquanto Li et al. (2020) calculam que apenas 14% dos casos de pessoas infectadas foram reportados, com intervalo de confiança de 10-18%. Os dois artigos consideram que casos não-notificados não tem sintomas graves e que não serão hospitalizados.
O protocolo de testagem no Brasil submete somente aquelas pessoas com sintomas graves o suficiente para buscarem um hospital. Além disso, há crescente documentação da falta de testes para todos os que chegam com suspeita de coronavírus. O protocolo técnico de tratamento médico é o mesmo, independente do diagnóstico preciso. Porém, isso quer dizer que nem todos os casos não-notificados no Brasil são leves ou moderados: podem haver pessoas sendo hospitalizadas com Covid-19 mas que não são testadas e, por isso, não constam no registro. Têm sido recorrentes, inclusive, relatos sobre o aumento atípico no número de internações por doenças respiratórias.
Por isso, ainda que tenhamos montado a estrutura do modelo para incluir uma taxa de notificação, consideramos a mesma como 1, de maneira a não diminuir a pressão sobre o sistema de saúde causado pelo percentual de casos notificaods que precisam de hospitalização.
Classificação de Casos Severos e Críticos a Partir de Confirmados
- Aproximadamente 14.6% dos casos confirmados são hospitalizados (569 dos 3904 casos totais);
- Aproximadamente 12% dos casos diagnosticados precisam de internação (508 dos 4446 casos confirmados)
- Aproximadamente 2.5% dos casos diagnosticados precisam de tratamento intensivo (121 dos 4446)
Número básico de reprodução
- Taxa de contágio da Cenário 1 é R0 = 3.86 (IC = 3.74 a 3.97) (referente ao Fase 2 em Wang et al.)
- Taxa de contágio da Cenário 2 é R0 = 1.26 (IC = 1.21 a 1.31) (referente ao Fase 3 em Wang et al.)
- Taxa de contágio da Cenário 3 é R0 = 0.32 (IC = 0.28 a 0.37) (referente ao Fase 4 em Wang et al.)
Optamos por adotar as números básicos de reprodução reportadas em Wang et al. (2020) por ser estudo realizado com base em análise epidemiológica de 26.000 casos de COVID-19 diagnosticados em Wuhan. Ainda que haja problemas com a analogia entre dinâmicas de contágio e aderência a decretos públicos entre o Brasil e a China, escolhemos essa referência por ela ter sido calculada a partir de dados observados, não sendo resultante de simulação, como Ferguson et al. (2020). Essa também é uma análise que secciona os R0 de acordo com as políticas públicas adotadas no período, possibilitando que façamos a simulação desses diferentes cenários para os municípios brasileiros. Entretanto, ainda não se tem certeza de que que a mudança na velocidade da infecção da população se deveu apenas às mudanças políticas, embora pelo tamanho das intervenções isso seja muito provável.
Escolhemos indicar como Cenário 1 a segunda fase identificada por Wang et al(2020). Ela é caracterizada como sendo de altíssima movimentação de pessoas, em momento onde já se tinha conhecimento da doença – paralelo que pode ser feito com quando começou o contágio entre brasileiros. Um claro limite para adoção dessa referência são diferenças culturais e comportamentais entre as duas populações. A composição demográfica chinesa e a brasileira, bem como as particularidades sócio-econômicas também influenciam nesses resultados. O ideal será em uma próxima fase de desenvolvimento da ferramenta já contar com dados calculados a partir da realidade do Brasil.
A metodologia da pesquisa e suas limitações não permitem distinguir exatamente qual medida de política pública e iniciativa individual empregada surtiu maior efeito. Também não há clareza nos dados reportados sobre quanto da redução da taxa de reprodução básica se deve ao ganho de imunidade na população. Os dados não permitem inferência de relações causais entre intervenções e mudanças nas taxas de contaminação.
Dinâmica do modelo
A dinâmica do modelo SEIR é descrita pelo seguinte conjunto de equações diferenciais:

A taxa de recuperação da doença ( γ ) é calculada a partir do inverso do total de dias que o indivíduo permanece infectado. A taxa de transmissão da doença, β , assumindo que não existem recuperados no início da doença, pode ser aproximada pela equação R0 = β / γ → β = γ R0. O estado de exposição assume um período de incubação da doença onde os expostos (E), apesar de infectados, ainda não transmitem a doença – cujo inverso é representado por σ .
No estado inicial, a partir do número de casos reportados por município consolidado na plataforma Brasil.IO, calculamos o número de total infectados inicial
( I(0) ). O número total de infectados é setorizado pelo grau de severidade da doença. Como citado acima, com base em CDC(2020), a quantidade de casos severos ( I2(0) ) e críticos ( I3(0) ) é dada por:


Limitações
- A incerteza quanto ao número de casos não reportados, traduz na alta variação do percentual que correspondem do total de infectados, reduz a precisão das projeções do modelo.
- O modelo assume uma cidade como um sistema fechado. Ou seja, não há mobilidade, como considerado em Wang et. al(2020), ou transmissão entre cidades.
- Não consideramos que os indivíduos hospitalizados estão “em isolamento”, ou seja, na dinâmica do modelo casos severos ou críticos não têm uma dinâmica separada, como construído no modelo de Wang et. al(2020), continuando a infectar com a mesma taxa.
- O modelo não incorpora uma taxa de mortalidade. Portanto, o grupo de mortos está dentro dos Removidos (R).
- O número de Removidos inicial (R) é zero.
Referências
[1] Ministério da Saúde do Brasil, 2020.
Boletim Diário. 28 mar. 2020. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/28/28.03%20-%20COVID.pdf[2] Patrick GT Walker, Charles Whittaker, Oliver Watson et al. The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation and Suppression. WHO Collaborating Centre for Infectious Disease Modelling, MRC Centre for Global Infectious Disease Analysis, Abdul Latif Jameel Institute for Disease and Emergency Analytics, Imperial College London (2020). Disponível em: https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-Global-Impact-26-03-2020.pdf
[3] Wang, C, et al. 2020. Evolving Epidemiology and Impact of Non-pharmaceutical Interventions on the Outbreak of Coronavirus Disease 2019 in Wuhan, China. https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.03.03.20030593v1.full.pdf+html e pdf de apresentação https://docs.google.com/presentation/d/1-rvZs0zsXF_0Tw8TNsBxKH4V1LQQXq7Az9kDfCgZDfE/edit#slide=id.p1
[4] CDC. Severe Outcomes Among Patients with Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) — United States, February 12–March 16, 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. ePub: 18 March 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm6912e2external icon.
[5] Hill, A. Model Description. Modelling COVID-19 Spread vs Healthcare Capacity. Disponível em: https://alhill.shinyapps.io/COVID19seir/
[6] Li, R., Pei, S., Chen, B., Song, Y., Zhang, T., Yang, W., & Shaman, J. (2020). Substantial undocumented infection facilitates the rapid dissemination of novel coronavirus (SARS-CoV2). Science, 3221(March), eabb3221. https://doi.org/10.1126/science.abb3221
[7] Agência Nacional de Saúde Suplementar. (2012) Taxa de Ocupação Operacional Geral. Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/prestadores/E-EFI-03.pdf