Guia CoronaCidades para rastreamento de contatos no Brasil

Rastrear e monitorar no Brasil é possível

O rastreamento e monitoramento de contatos é peça fundamental no esforço de quebrar a cadeia de transmissão da COVID-19. 

Apesar de uma grande parte do debate sobre este tema no Brasil vir se pautando nas dimensões de uso de tecnologia e privacidade de dados, sobretudo pela experiência de países como a China, o rastreamento de contatos já é feito em nosso país para doenças como a tuberculose e hanseníase. 

Contamos ainda com uma vantagem que muitos países não possuem: a capilaridade do Sistema Único de Saúde, principalmente dos Agentes Comunitários e sua atuação sobre o território, que pode ser alavancada e reforçada para rastrear e monitorar casos suspeitos de pessoas infectadas pelo coronavírus. 

Este guia, desenvolvido pela plataforma CoronaCidades, apresenta algumas respostas para dúvidas que gestores e gestoras podem ter sobre rastreamento e sugere alternativas para a adoção dessa medida como política pública de controle do contágio pela COVID-19 dentro da realidade brasileira.

O que é rastrear e quando monitorar?

O rastreamento e monitoramento de contatos tem sido adotado como política de controle da COVID-19 em diversos países do mundo.

O processo de rastreamento passa por:

  • Identificar e confirmar os casos suspeitos;
  • Entrevistar pessoas infectadas e identificar aqueles indivíduos com os quais estiveram próximos ao longo do período de transmissão;
  • Notificar os contatos a respeito de seu possível contágio, condições clínicas e potencial de transmissão, sugerindo que sigam protocolos de isolamento social e condutas relacionadas à doença. 

A partir de então, na etapa de monitoramento, a equipe responsável deve tentar manter comunicação regular com as pessoas identificadas como casos suspeitos, tanto para monitorar sua aderência ao isolamento quanto para acompanhar o surgimento de sintomas e sua evolução.

Por que rastrear?

Uma das principais razões para a realização do rastreamento ativo dos contatos é a existência de pessoas que, por demorarem a desenvolver sintomas, espalham o vírus sem saber. Um estudo em Hong Kong mostrou que aproximadamente 20% dos casos confirmados foram responsáveis por 80% dos casos subsequentes.

Estudos sugerem que a transmissão do coronavírus pode ocorrer mesmo sem o aparecimento de sinais e sintomas. No entanto, o potencial de transmissão é comprovadamente maior nos pacientes sintomáticos, sendo que, nesses casos, o período de transmissibilidade do vírus é de, em média, 7 dias após o início dos sintomas. Essa janela é fundamental para o rastreamento, uma vez que, se identificado a tempo, o indivíduo infectado é isolado antes de propagar o vírus para mais pessoas. É desta forma que a cadeia de transmissão da COVID-19  é interrompida.  

O rastreamento de contatos proporciona, temporariamente, a redução da circulação dos doentes e parte dos indivíduos que interagiram com a pessoa infectada e podem ter se tornado reservatório do vírus. Desta forma, a medida contribui para a redução no ritmo de contágio da doença. 

Quando rastrear

O rastreamento de contatos é importante no início da curva de contágio, quando os casos são esporádicos e estão aumentando (consequentemente, também em uma provável “segunda onda”), e também na fase de contenção, quando a transmissão está em declínio. 

Geralmente, o rastreamento massivo de contatos torna-se impraticável na fase de mitigação, quando a transmissão é disseminada. Nesses momentos, a sugestão é para que o esforço seja orientado a recortes populacionais com foco, por exemplo, em territórios mais vulneráveis. 

As cidades brasileiras estão em diferentes estágios de disseminação da doença A partir da identificação do cenário do coronavírus em cada território, é possível planejar o rastreamento.

Como rastrear e monitorar no Brasil?

O rastreamento de contatos objetiva identificar o indivíduo exposto ao coronavírus e isolá-lo, de preferência antes que ele tenha potencial infeccioso e contamine mais pessoas. 

A testagem massiva da população possibilitaria um rastreamento mais eficiente, ao identificar com mais agilidade infectados assintomáticos. Mas mesmo nas situações em que não há tantos testes disponíveis, como é o cenário em muitos municípios brasileiros, uma política de rastreamento possibilita o isolamento daquelas pessoas identificadas a partir de um caso confirmado, quebrando a cadeia de transmissão da doença.

Por exemplo: em uma residência com vários moradores em que apenas um foi confirmado para  coronavírus, sendo atendido em uma unidade de saúde, uma política de rastreamento incluiria a notificação dos demais moradores como potenciais infectados pelo vírus, com a sugestão de isolamento para esses contatos e de monitoramento da situação, limitando o potencial de transmissão.

Para a redução da transmissão viral é importante que as pessoas classificadas como contatos, adotem as medidas de contenção, tais como: manter a distância mínima de 1,5 metros, lavar as mãos constantemente com água e sabão e usar máscaras, mesmo dentro do domicílio. Esses indivíduos devem ainda, evitar saídas desnecessárias, deixar de frequentar locais fechados, evitar lugares com alta concentração de pessoas e espaços de convívio com pessoas próximas.

Dentro da realidade brasileira, a presença da rede de atenção do SUS, com as UBS e os Agentes Comunitários pode ser direcionada para o rastreamento. Os ACS já têm um profundo conhecimento das comunidades onde atuam e, com a correta utilização dos Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs) e treinamento adequados, poderiam atuar também nessa ação. Os Agentes de Vigilância, quando existirem, também podem ser direcionados para essa atividade.  

 Planejamento é importante

Para implementar uma política de rastreamento é importante estabelecer protocolos claros e eficazes. O que engloba, entre outras coisas, a definição de: 

_Fluxos de informação: definir com clareza os papéis de cada órgão e profissional no rastreamento e definir como as etapas do processo serão documentadas e repassadas entre cada equipe.

 _Comunicação sobre o isolamento: é importante que as equipes nos territórios estejam prontas para reforçar a necessidade e a importância do isolamento social, mesmo em casos de suspeita. Oferecer atestados médicos mesmo para contatos assintomáticos, assim como a utilização do termo de responsabilidade recomendado pelo Ministério da Saúde, podem ser instrumentos utilizados pelas equipes quando necessário.

_Quais casos serão entrevistados e que contatos serão considerados próximos e serão notificados: se os recursos são escassos, as entrevistas podem se limitar aos casos já confirmados, por exemplo.

_Qual será a equipe e força de trabalho mobilizada para o rastreamento: no SUS, os Agentes Comunitários de Saúde, assim como os Agentes de Vigilância, surgem como alternativa. 

_Como será feito uso da tecnologia, com a definição de quais fluxos do trabalho de rastreamento podem ser automatizados.

_Quais serão os protocolos para rastreamento, com uma definição sobre que casos serão priorizados para entrevistas, se os contatos serão notificados por rastreadores ou se os confirmados serão solicitados a notificar seus próprios contatos, entre outros pontos.

Como municípios podem mobilizar a estrutura do SUS para rastrear?

A estratégia de rastreamento de contatos de casos de COVID-19 requer participação de diversos setores no âmbito de atuação na Secretaria Municipal de Saúde (SMS).  

 Essa estratégia deve contar com a adesão do gestor municipal, envolvendo os Centros de Operações de Emergências (COE), mas também as Coordenações de Vigilância Epidemiológica (VE), das Vigilâncias de Epidemiologia Hospitalares (VEH) e ou correspondente e das Coordenações da Atenção Primária.

 A iniciativa requer o desenvolvimento de um trabalho coordenado que parte do nível central da SMS capilarizado até o território, sobretudo naquelas áreas de abrangência da Estratégia de Saúde da Família (ESF), necessitando do envolvimento de toda equipe, e com especial apoio dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS).

 Além disso, etapas importantes antecedem o monitoramento e busca por contatos no território, como, por exemplo: 

  •  Definir competências de cada um dos setores envolvidos;
  • Recrutar trabalhadores da saúde de outras áreas com baixa atividade, no momento de pandemia, para compor a força tarefa no rastreamento de contato, a exemplo de trabalhadores da vigilância ambiental;
  • Padronizar instrumentos para o rastreamento e monitoramento. Definir um roteiro de entrevistas enxuto e um dicionário de dúvidas frequentes pode ser útil para agilizar e garantir isonomia no processo. 
  • Estabelecer fluxos de compartilhamento de informações (recebimento e de entregas);
  • Eleger os técnicos como ponto focal da rede de comunicação e realização do trabalho;
  • Distribuir as atividades.

Depois de planejar, é hora de rastrear

Passo 1

Passo 1

Identificar e notificar casos suspeitos e confirmados 

O primeiro passo do rastreamento é identificar os casos de contaminação e fornecer instruções sobre isolamento e tratamento. 

A estratégia de rastreamento deve ser realizada com base nos dados que o município dispõe. E a depender da capacidade de absorção deste trabalho pelas equipes, considerar primeiramente os dados de casos confirmados para COVID-19.  Adicionalmente será realizada a busca por contatos a partir de casos graves de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), e finalmente pelos casos notificados de Síndrome Gripal (SG).

 O uso de informações deve nortear o desenvolvimento do trabalho localmente, devendo os setores da vigilância, em conjunto com o Centro de Operações de Emergências, gerenciar o envio, monitoramento e compartilhamento dessas informações.

Etapas para uso de dados devem ser atendidas para o rastreamento de contato:

  1. Selecionar os casos de COVID-19, SRAG e ou SG de RESIDENTES no município;
  2. Distribuir os casos pelo território considerando a existência ou não de UBS;
  3. Avaliar, considerando o número de registros, com cada gerente das UBS a estratégia e capacidade de absorção e realização dessa atividade pela equipe disponível;
  4. Solicitar que cada gerente da UBS distribua seus casos, para o repasse de orientações e realização do monitoramento dessas pessoas, considerando as competências de atuação de cada membro da equipe para a realização dessa atividade dentro do território.
  5. Nas localidades do município sem a abrangência de UBS, considerar envolver os técnicos da Vigilância Epidemiológica e outros colaboradores para realização desse monitoramento.
  6. Para casos originários de Unidades hospitalares da rede suplementar de saúde (privado, cooperativas e outros), envolver também, técnicos da Vigilância Sanitária Municipal (VISA – SMS) para atuar na força tarefa para busca e rastreamento de contatos.
  7. Avaliar também a capilaridade e disponibilidade da rede de Vigilância Epidemiológica Hospitalar para serem incorporadas à rede de comunicação da força tarefa para rastreamento de contatos.

Passo 2

Passo 2

Entrevistar os casos e mapear contatos

A equipe responsável pelo rastreamento precisa dispor de uma lista com perguntas que orientem a entrevista dos casos confirmados para identificar quem foram seus contatos durante o período em que eles estavam propagando coronavírus.

A janela de infecção deve ser considerada nesta etapa.

Passo 3

Passo 3

Localizar e notificar contatos

Uma vez identificados, os contatos precisam ser localizados e notificados sobre sua potencial exposição ao coronavírus. Nesta etapa, a equipe de rastreamento deve entrevistar os casos suspeitos para identificar se apresentaram sintomas,  orientar o isolamento, se trabalhadores formais, viabilizar junto a Unidade de Saúde o atestado médico para dispensa no trabalho, e direcionar para atendimento se houver agravamento do quadro clínico.

Passo 4

Passo 4

Monitorar contatos 

O monitoramento dos contatos inclui o acompanhamento de sintomas e temperatura das pessoas por 14 dias após o último encontro entre o contato e o caso confirmado para COVID-19. 

As ferramentas de telessaúde podem auxiliar nesse processo. Os municípios têm algumas alternativas para orientar esse monitoramento: 

1) Fazer monitoramento por telefone apenas dos casos de fora do grupo de risco e direcionar o espaço das UBS para monitoramento dos grupos de risco, o que pressupõe que as UBS tenham informações sobre quem são seus cadastrados que testaram positivo e se são grupo de risco.

2) Fazer monitoramento por telefone de todos ou das áreas prioritárias.Isso pressupõe formar uma equipe para atuar nesse processo, aproveitando sobretudo os trabalhadores que foram afastados por risco. É importante separar o trabalho técnico do administrativo  e dimensionar o pessoal de acordo com o número de casos, assim como controlar o tempo médio de ligação.

A importância da comunicação

Uma comunicação eficiente, clara e frequente com a população contribui para o rastreamento. A sociedade precisa saber que o trabalho está sendo realizado, quais são os critérios para que possa aderir e facilitar a identificação de casos suspeitos e a localização dos contatos. O envolvimento das equipes da Atenção Primária é fundamental para a realização e sucesso no rastreamento de contatos oportunamente, tendo em vista que são conhecedores do território, ademais têm o reconhecimento da comunidade onde atuam.